terça-feira, 17 de maio de 2016

Diferenças e Características da Fala e da Escrita

            Não devemos confundir língua com escrita, pois são dois meios de comunicação distintos. A escrita representa um estágio posterior de uma língua. A língua falada é mais espontânea, abrange a comunicação linguística em toda sua totalidade. Além disso, é acompanhada pelo tom de voz, algumas vezes por mímicas, incluindo-se fisionomias. A língua escrita não é apenas a representação da língua falada, mas sim um sistema mais disciplinado e rígido, uma vez que não conta com o jogo fisionômico, as mímicas e o tom de voz do falante.

            Conforme sintetiza Koch (1997b), vários estudiosos desta área como Marcuschi (1995), Koch & Oesterreicher (1990), Halliday (1985) e Koch (1992), afirmam que “os diversos tipos de práticas sociais de produção textual situam-se ao longo de um “continuum” tipológico, em cujas extremidades estariam, de um lado, a escrita formal e, do outro, a conversação espontânea, coloquial” (KOCH, 1997, p.31).

Escrita – Formal
Oralidade – Informal

            C
onforme Koch, (1997b), alguns autores (Chafe, Tannen, Halliday, Oesterreicher etc.) a partir da década de 60 consideraram a dicotomia entre as modalidades FALA e ESCRITA, atribuindo a cada uma características particulares.  Koch afirma que tais características refletiam uma visão preconceituosa e centrada no modelo da escrita formal padrão. Com base em tal dicotomia FALA X ESCRITA, categorizava-se que (cf. KOCH, op.cit., p.32):

FALA
ESCRITA
Contextualizada
Descontextualizada
Implícita
Explícita
Redundante
Condensada
Não-planejada
Planejada
Predominância do “modus pragmático”
Predominância do “modus sintático”
Fragmentada
Não-fragmentada
Incompleta
Completa
Pouco elaborada
Elaborada
Pouca densidade informacional
Densidade informacional
Predominância de frases curtas, simples e coordenadas.
Predominância de frases complexas e subordinadas
Pequena freqüência de passivas
Emprego freqüente de passivas
Poucas nominalizações
Abundância em nominalizações
Menor densidade lexical
Maior densidade lexical

            Mais especificamente, aspectos relacionados à visão dicotômica sobre Oralidade X Escrita; às especificidades das categorias Oralidade/Fala e Letramento/Escrita; ao binômio Oralidade/Escrita e prática sociais;  à visão culturalista; à visão variacionista; à interacional; à visão funcionalista da relação Fala e Escrita. Tais considerações são apresentadas por Marcuschi (2007a).

I. Fala x escrita - a perspectiva das dicotomias: esta visão é da perspectiva dicotômica entre fala x escrita, é considerada restrita, pois polariza essas duas modalidades da língua. Por outro lado, há quem considere nesta perspectiva as relações fala x escrita dentro de um “continuum”. Aqui as análises são voltadas para o código com permanência no fato linguístico. Esta teoria deu origem ao prescritivismo gramatical e à norma linguística. De modo geral, as características próprias à fala e à escrita são descritas/prescritas por essa visão da seguinte maneira:


FALA = contextual, implícita, redundante, não planejada, imprecisa, não normatizada.

ESCRITA = descontextualizada, explícita, condensada, planejada, precisa, normatizada.


            Tal visão, baseada no perfil das condições empíricas de uso da língua, é uma visão formalista distorcida do fenômeno textual. É uma visão “imanentista” que originou as Gramáticas Pedagógicas. Ela remonta a separação “forma x conteúdo”, classifica a fala como pouco “complexa” e postula que a escrita é fundada num conjunto de regras que regem a língua.

II. Oralidade x letramento ou fala x escrita? – há que se observar algumas especificidades dessas categorias teóricas, pois tais especificidades relacionam-se ao seu emprego em teoria e análise. O binômio Oralidade x Letramento está voltado para analisar as diferenças entre duas “práticas sociais”; enquanto que o binômio Fala x Escrita volta-se às diferenças entre duas modalidades de uso da língua.



Resumindo:


ORALIDADE: prática social apresentada sob várias formas ou gêneros textuais em sua diversidade de uso formal e contextual.


FALA: forma de produção discursivo-textual oral que dispensa um aparato técnico, necessitando, apenas, dos recursos próprios ao ser humano.

LETRAMENTO: uso social da escrita que vai de uma apropriação mínima da escrita até uma utilização científica dela.


ESCRITA: tecnologia de representação abstrata da fala e produção discursivo-textual com especificidades próprias.




III. Oralidade e escrita no contexto das práticas sociais: Marcuschi (2007a) situa o papel das práticas sociais da escrita e da oralidade na civilização contemporânea. Ele considera a relação entre “vida cotidiana” e os fenômenos da fala e escrita. O texto seria, então, uma prática social e não um artefato linguístico.

            A escrita, enquanto prática social, tornar-se-ia indispensável. Em relação ao uso da língua (fala e escrita) as práticas sociais têm o seu lugar, papel e grau de relevância de ambas as modalidades na sociedade – eixo de um “continuum” sócio-histórico-tipológico e até morfológico.

V. Oralidade x escrita: a tendência fenomenológica de caráter culturalista: esta visão é aculturalista e de perspectiva epistemológica. Ela observa as práticas sociais da oralidade x escrita, faz análise cognitiva dos efeitos de organização e produção do conhecimento no aspecto psico-sócio-econômico-cultural. Esta tendência é inadequada para o trato com os fatos da língua. Ela confere ao domínio da escrita o avanço na capacidade cognitiva-individual:


Cultura oral
Cultura escrita
Pensamento concreto
Pensamento abstrato
Raciocínio indutivo
Raciocínio dedutivo
Atividade artesanal
Atividade tecnológica
Cultivo da tradição
Inovação constante
Ritualismo
Analitismo


Há três grandes problemas nessa tendência:

·Etnocentrismo;

·Supervalorização da escrita; e

·Tratamento globalizante.

V. Fala x escrita – perspectiva variacionista: tal visão trata do papel da escrita a partir dos processos educacionais e da variação na relação língua padrão e não-padrão em contextos de ensino formal. Modelos teóricos baseiam-se no “currículo bidialetal”. Não há dicotomias, verificam-se as regularidades e variações:

Língua padrão 
Variedade não-padrão
Língua culta 
Língua coloquial
Norma padrão 
Norma não-padrão

            Marcuschi (2007) afirma simpatizar com essa tendência, mas acredita serem necessárias maiores reflexões. Para ele fala e escrita não são dialetos, mas “modalidades” de uso de língua. Nesse sentido o aluno se tornaria “bimodal”.

VI. Oralidade x escrita – a perspectiva interacional: esta perspectiva trata das relações entre fala e escrita, considerando o “continuum” textual. É a visão interacionista, cujos fundamentos baseiam-se em:


·Relação dialógica no uso

·Estratégias de linguagem

·Funções interacionistas

·Envolvimento e situacionalidade

·Formulaicidade


            Este modelo percebe mais sistematicamente a língua enquanto fenômeno dinâmico e estereotipado, centrando-se em atividades dialógicas que frisam os aspectos mais salientes da fala. Porém tem um baixo potencial explicativo e descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua (cf Marcuschi, 2007a).

            Nesta visão, as análises se prestam a observar a diversidade de formas textuais produzidas monologicamente e dialogicamente. Além disso, nela trata-se de fenômenos de compreensão na interação verbal e com o texto escrito, detectando especificidades na atividade de construção do sentido. Esta perspectiva postula que não se deve polarizar ou dicotomizar a relação entre fala e escrita e orienta-se por uma linha discursiva e interpretativa.

VII. Concepção e funcionamento da língua – consequente relação fala / escrita: O sucesso da análise vai depender da concepção de Língua que subjaz à teoria, bem como da noção de funcionamento da língua, esta é fruto das condições de produção. A noção de sistema atém-se à concepção básica de uma “estrutura virtual”. Fica desde já eliminada uma série de distinções geralmente feitas entre fala e escrita, tais como a contextualização (na fala) X descontextualização  (na escrita), implicitude (na fala) X explicitude (na escrita) e assim por diante.

            A língua (seja oral ou escrita) reflete a organização da sociedadeuma vez que se relaciona com as “representações e as formações sociais”. Entretanto, a fala e a escrita representam formas de organização da mente através das próprias representações mentais. Vale salientar, sobretudo, que, assim como a fala não apresenta propriedades intrínsecas negativas, também a escrita não tem propriedades intrinsecamente privilegiadas. São modos de representação cognitiva e social que se revelam em práticas sócio-culturais específicas. A oralidade e a escrita são ambas práticas sociais e não propriedades de sociedades distintas.



Nenhum comentário:

Postar um comentário