Não devemos confundir língua com escrita,
pois são dois meios de comunicação distintos. A escrita representa um estágio
posterior de uma língua. A língua falada é mais espontânea, abrange a
comunicação linguística em toda sua totalidade. Além disso, é acompanhada pelo
tom de voz, algumas vezes por mímicas, incluindo-se fisionomias. A língua
escrita não é apenas a representação da língua falada, mas sim um sistema mais
disciplinado e rígido, uma vez que não conta com o jogo fisionômico, as mímicas
e o tom de voz do falante.
Conforme sintetiza Koch (1997b), vários estudiosos desta
área como Marcuschi (1995), Koch & Oesterreicher (1990), Halliday (1985) e
Koch (1992), afirmam que “os diversos tipos de práticas sociais de produção
textual situam-se ao longo de um “continuum” tipológico, em cujas extremidades
estariam, de um lado, a escrita formal e, do outro, a conversação espontânea,
coloquial” (KOCH, 1997, p.31).
Escrita – Formal
Oralidade – Informal
Conforme Koch, (1997b), alguns autores (Chafe, Tannen, Halliday,
Oesterreicher etc.) a partir da década de 60 consideraram a dicotomia entre as
modalidades FALA e ESCRITA, atribuindo a cada uma características
particulares. Koch afirma
que tais características refletiam uma visão preconceituosa e centrada no
modelo da escrita formal padrão. Com base em tal dicotomia FALA X ESCRITA,
categorizava-se que (cf. KOCH, op.cit., p.32):
FALA
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ESCRITA
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Contextualizada
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Descontextualizada
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Implícita
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Explícita
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Redundante
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Condensada
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Não-planejada
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Planejada
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Predominância do “modus pragmático”
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Predominância do “modus sintático”
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Fragmentada
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Não-fragmentada
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Incompleta
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Completa
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Pouco elaborada
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Elaborada
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Pouca densidade informacional
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Densidade informacional
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Predominância de frases curtas, simples e
coordenadas.
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Predominância de frases complexas e
subordinadas
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Pequena freqüência de passivas
|
Emprego freqüente de passivas
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Poucas nominalizações
|
Abundância em nominalizações
|
Menor densidade lexical
|
Maior densidade lexical
|
Mais
especificamente, aspectos relacionados à visão dicotômica sobre Oralidade X
Escrita; às especificidades das categorias Oralidade/Fala e Letramento/Escrita;
ao binômio Oralidade/Escrita e prática sociais; à visão
culturalista; à visão variacionista; à interacional; à visão funcionalista da
relação Fala e Escrita. Tais considerações são apresentadas por Marcuschi
(2007a).
I. Fala x escrita - a perspectiva das dicotomias: esta visão
é da perspectiva dicotômica entre fala x escrita, é considerada restrita, pois
polariza essas duas modalidades da língua. Por outro lado, há quem considere
nesta perspectiva as relações fala x escrita dentro de um “continuum”. Aqui as
análises são voltadas para o código com permanência no fato linguístico. Esta teoria deu origem ao prescritivismo
gramatical e à norma linguística. De modo geral, as
características próprias à fala e à escrita são descritas/prescritas por essa
visão da seguinte maneira:
FALA = contextual, implícita, redundante, não
planejada, imprecisa, não normatizada.
ESCRITA = descontextualizada,
explícita, condensada, planejada, precisa, normatizada.
Tal
visão, baseada no perfil das condições empíricas de uso da língua, é uma visão
formalista distorcida do fenômeno textual. É uma visão “imanentista” que
originou as Gramáticas Pedagógicas. Ela remonta a separação “forma x conteúdo”,
classifica a fala como pouco “complexa” e postula que a escrita é fundada num
conjunto de regras que regem a língua.
II. Oralidade x
letramento ou fala x escrita? – há que se
observar algumas especificidades dessas categorias teóricas, pois tais
especificidades relacionam-se ao seu emprego em teoria e análise. O binômio
Oralidade x Letramento está voltado para analisar as diferenças entre duas
“práticas sociais”; enquanto que o binômio Fala x Escrita volta-se às
diferenças entre duas modalidades de uso da língua.
Resumindo:
ORALIDADE: prática social apresentada sob
várias formas ou gêneros textuais em sua diversidade de uso formal e
contextual.
|
FALA: forma de produção discursivo-textual
oral que dispensa um aparato técnico, necessitando, apenas, dos recursos
próprios ao ser humano.
|
LETRAMENTO: uso social da escrita que vai de
uma apropriação mínima da escrita até uma utilização científica dela.
|
ESCRITA: tecnologia de representação abstrata da fala e produção
discursivo-textual com especificidades próprias.
|
III. Oralidade e
escrita no contexto das práticas sociais: Marcuschi (2007a) situa o papel das práticas
sociais da escrita e da oralidade na civilização contemporânea. Ele considera a
relação entre “vida cotidiana” e os fenômenos da fala e escrita. O texto seria,
então, uma prática social e não um artefato linguístico.
A
escrita, enquanto prática social, tornar-se-ia indispensável. Em relação ao uso
da língua (fala e escrita) as práticas sociais têm o seu lugar, papel e grau de
relevância de ambas as modalidades na sociedade – eixo de um “continuum” sócio-histórico-tipológico
e até morfológico.
V. Oralidade x
escrita: a tendência
fenomenológica de caráter culturalista: esta visão é aculturalista e de
perspectiva epistemológica. Ela observa as práticas sociais da oralidade x
escrita, faz análise cognitiva dos efeitos de organização e produção do
conhecimento no aspecto psico-sócio-econômico-cultural. Esta tendência é
inadequada para o trato com os fatos da língua. Ela confere ao domínio da
escrita o avanço na capacidade cognitiva-individual:
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Cultura oral
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Cultura escrita
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Pensamento concreto
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Pensamento abstrato
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Raciocínio indutivo
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Raciocínio dedutivo
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Atividade artesanal
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Atividade tecnológica
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Cultivo da tradição
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Inovação constante
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Ritualismo
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Analitismo
|
Há três grandes problemas nessa tendência:
·Etnocentrismo;
·Supervalorização da escrita; e
·Tratamento globalizante.
V. Fala x escrita – perspectiva variacionista: tal visão
trata do papel da escrita a partir dos processos educacionais e da variação na
relação língua padrão e não-padrão em contextos de ensino formal. Modelos
teóricos baseiam-se no “currículo bidialetal”. Não há dicotomias, verificam-se
as regularidades e variações:
Língua padrão
|
Variedade não-padrão
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Língua culta
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Língua coloquial
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Norma padrão
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Norma não-padrão
|
Marcuschi (2007)
afirma simpatizar com essa tendência, mas acredita serem necessárias maiores
reflexões. Para ele fala e escrita não são dialetos, mas “modalidades” de uso
de língua. Nesse sentido o aluno se tornaria “bimodal”.
VI. Oralidade x
escrita – a perspectiva
interacional: esta perspectiva trata das relações entre fala e escrita,
considerando o “continuum” textual. É a visão interacionista, cujos fundamentos
baseiam-se em:
·Relação dialógica no uso
·Estratégias de linguagem
·Funções interacionistas
·Envolvimento e situacionalidade
·Formulaicidade
Este
modelo percebe mais sistematicamente a língua enquanto fenômeno dinâmico e
estereotipado, centrando-se em atividades dialógicas que frisam os aspectos
mais salientes da fala. Porém tem um baixo potencial explicativo e
descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua (cf Marcuschi,
2007a).
Nesta
visão, as análises se prestam a observar a diversidade de formas textuais
produzidas monologicamente e dialogicamente. Além disso, nela trata-se de
fenômenos de compreensão na interação verbal e com o texto escrito, detectando
especificidades na atividade de construção do sentido. Esta perspectiva postula
que não se deve polarizar ou dicotomizar a relação entre fala e escrita e
orienta-se por uma linha discursiva e interpretativa.
VII. Concepção e
funcionamento da língua – consequente
relação fala / escrita: O sucesso da análise vai depender da concepção de
Língua que subjaz à teoria, bem como da noção de funcionamento da língua, esta
é fruto das condições de produção. A noção de sistema atém-se à concepção
básica de uma “estrutura virtual”. Fica desde já eliminada uma série de
distinções geralmente feitas entre fala e escrita, tais como a contextualização
(na fala) X descontextualização (na escrita), implicitude (na fala)
X explicitude (na escrita) e assim por diante.
A
língua (seja oral ou escrita) reflete a organização da sociedade, uma
vez que se relaciona com as “representações e as formações sociais”.
Entretanto, a fala e a escrita representam formas de organização da mente
através das próprias representações mentais. Vale salientar, sobretudo, que,
assim como a fala não apresenta propriedades intrínsecas negativas, também a
escrita não tem propriedades intrinsecamente privilegiadas. São modos de
representação cognitiva e social que se revelam em práticas sócio-culturais
específicas. A oralidade e a escrita são ambas práticas sociais e não
propriedades de sociedades distintas.